Breves notas sobre o ativismo judicial
Breves notas sobre o ativismo judicial
Procurador do Município de Fortaleza - Ceará - Brasil Mestre e Doutor em Direito Constitucional - UNIFOR Pós-Doutorando pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa - Portugal - FDUL Professor de Direito Constitucional
O Poder Judiciário brasileiro, especialmente os Tribunais Superiores, tem sido marcado por um constante e preocupante protagonismo. A arena pública destinada constitucionalmente aos Poderes Legislativo e Executivo resta habitada, em muitos casos, pelo Poder Judiciário. As razões são das mais diversas: da inércia proposital à conduta política estratégica. Em assim ocorrendo, a discussão que deveria ocorrer no locus adequado, chega ao Judiciário na forma de ações ou pedidos que exigem solução e resposta.
"O Poder Judiciário brasileiro, especialmente os Tribunais Superiores, tem sido marcado por um constante e preocupante protagonismo"
O Poder Judiciário tem se transformado na última (às vezes, única) instância para solução de conflitos envolvendo matérias que são de atribuições dos outros Poderes. São os casos do direito de greve no serviço público (ainda não existe a lei específica exigida pela Constituição de 1988), casamento homoafetivo (matéria que deveria ser disciplina por lei), exigência de exame criminológico para o deferimento de progressão de regime (a lei específica aboliu tal exigência), por exemplo.
O protagonismo judicial atrai um outro fenômeno representativo de possíveis violações ao regime democrático: o ativismo judicial. Entendo o ativismo judicial “como o exercício expansivo, não necessariamente ilegítimo, de poderes político-normativos por parte de juízes e cortes em face dos demais atores políticos” (CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Dimensões do ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Forense, 2014). Significa dizer que não entendo o ativismo judicial a partir de visões maniqueístas que o abordam como benéfico e/ou maléfico aprioristicamente.
Realizar tal abordagem seria confundir o efeito com a causa e trocar uma inversão entre a irradiação de efeitos o núcleo produtor dos efeitos (decisão judicial). Não há no ativismo judicial, necessariamente, uma troca de sujeito (nos litígios estruturais o Poder Judiciário convoca os demais atores para a busca de soluções conjuntas, sem que se substitua a nenhum deles).
As críticas que normalmente são dirigidas ao ativismo judicial (no Brasil, o Prof. Lenio Luiz Streck talvez seja seu principal “inimigo”, sendo suficiente consultar sua página pessoal: http://www.leniostreck.com.br, para se ter uma ideia clara) possuem como base a agressão ao princípio democrático e ao excesso (arbitrariedade) na interpretação dos textos normativos. Obviamente que tais condutas decisórias podem acontecer dentro do espaço multidimensional do ativismo judicial, mas não como sua característica “intrínseca”, “essencial” e eu deva ser considerada sempre como dado a priori.
A expansão dos poderes dos juízes atende a uma exigência da Era das Cortes Constitucionais (jurisdição) que deu seguimento à Era da Legislação e da Ciência do Direito (Savigny) e à Era das Codificações (PICARDI, Nicola. La giurisdizione all’alba del’terzo millennio. Milano: Giuffrè Editore, 2007). Lembraria, neste átimo, o protagonismo estatal, notadamente do Poder Executivo, no auge do Welfare State, no qual o Estado se apresentava como garante de padrões mínimos de educação, saúde, habitação, renda e seguridade social a todos os cidadãos.
Portanto, não se autoriza uma visão unilateral do fenômeno atualmente em destaque em vários países do mundo. Aliás, a “doutrina norte-americana reconhece ter o primeiro uso público do termo “ativismo judicial” sido feito pelo historiador estadunidense, Arthur Schlesinger Jr., em artigo intitulado The Supreme Court: 1947, publicado na Revista Fortune, vol. XXXV, n° 1, no mês de Janeiro de 1947.” (CAMPOS, 2014). África do Sul, Canadá, Estados Unidos, Alemanha, Colômbia, Argentina, para citar alguns, são países cujas Cortes Constitucionais decidem, em alguns casos, de forma ativista.
Não julgo procedentes as críticas ao ativismo judicial que insistem em abordar um único aspecto do problema. Logicamente, existem decisões judiciais ativistas que são violadoras dos cânones democráticos, mas daí se concluir que são todas, parece-me semelhante ao míope ao concluir que toda realidade vista sem seus óculos é a única existente e isso pelo simples fato que de não admitir usar suas lentes.